A atual situação do Afeganistão tem gerado curiosidade e preocupação na população a nível global. Após 20 anos afastado do poder (depois de ter sido derrotado pela invasão norte-americana), o grupo extremista Talibã retomou o governo do país, no Oriente Médio, ocasionando medo pela volta dos tempos mais sombrios da história do país. Enquanto esteve no domínio, entre os anos de 1996 a 2001, o Talibã proibia mulheres de saírem de casa sem a companhia de um homem, estudar e trabalhar, e fomentava outras práticas abusivas e de perdas de direito no geral.
Para o professor de Direito Constitucional da UNIAESO, João Paulo Allain, para entender o cenário atual do Afeganistão é preciso voltar no tempo, pelo menos, até a década de 70, no contexto da Guerra Fria. “Quando a União Soviética esteve presente no Afeganistão, as milícias, que deram origem ao Talibã, eram aliadas dos Estados Unidos. Os EUA treinaram e instrumentalizaram essas milícias exatamente pelo interesse que eles tinham em ocupar o território contra o avanço da União Soviética. No filme Rambo 3, por exemplo, é possível ver os talibãs como aliados do protagonista. Os talibãs foram, de alguma forma, estimulados pelos americanos para permanecerem no território afegão como contraponto ao avanço comunista da União Soviética”, explica.
“De lá para cá, tivemos algumas mudanças nesse cenário, a partir do momento que vemos o ataque da Al-Qaeda ao World Trade Center, em Nova York, no 11 de setembro, e o suporte do talibã ao líder do atentado, Osama bin Laden. Os americanos não gostaram dessa situação e resolveram derrubar o governo talibã, neutralizando a ameaça e prometendo levar a democracia para o Afeganistão”, completa.
Após quase 20 anos de conflito (a guerra mais longa da América), os EUA, em cumprimento à promessa feita pelo presidente Joe Biden, decidiu retirar as tropas estadunidenses do território afegão, abrindo espaço para a retomada do Talibã, que derrotou as forças de segurança locais quase sem resistência.
“Assim, temos uma reviravolta nos encaminhamentos das coisas pela Asias e Oriente Médio. O avanço do Talibã no Afeganistão representa o ponto de inflexão na agenda de costume, sobretudo, porque o grupo pretende implementar a lei islâmica, que implica em diminuição de protagonismo e direito a mulheres e meninas. Essas não podem estudar, trabalhar, e só aparecem em público vestindo a burca. É uma situação extremamente complicada”, pontua.
Segundo o docente, a saída dos EUA do Afeganistão também deixa um espaço de poder geopolítico aberto. “A China e a Rússia já declararam apoio ao novo governo, de olho em um contexto geopolítico totalmente diferente dos EUA. Isso pode ter repercussões para o mundo inteiro, para além da crise humanitária, com a fuga de pessoas e a necessidade de proteção. O mundo precisa observar e cuidar para enfrentar esse desafio, que pode ter desdobramentos imprevisíveis para o futuro”, pondera.
Para João Paulo, a contenção do grupo extremista não é algo fácil. “Passaram-se 20 anos e os EUA não conseguiram neutraliza-los. Prova disso é que eles apareceram com muito mais força agora. Esperava-se que eles conseguissem tomar o país em muito mais tempo do que eles fizeram. Em uma semana tomaram conta de todo território nacional. Agora é preciso esforço de diplomacias internacionais, observância de princípios que representam conquistas ocidentais, mas que são exatamente isso que o talibã nega. Toda essa situação fica um tanto complicada. Acho que fica a lição do que é a deterioração da democracia e as brechas que existem para esses grupos conservadores que negam as tradições de direitos humanos e igualdade”, conclui.